As crianças normalmente têm uma grande imaginação e gostam de fantasiar. Constantemente, elas usam histórias para brincar e contar coisas. É um recurso que elas têm e que é muito bem-estruturado para essa fase da vida. Elas, quando são bem pequenas, não mentem, e sim, fantasiam, transformam fatos e constrói uma realidade própria.
O problema é quando a criança começa a crescer e usa o mesmo recurso para mentir. As histórias continuam sendo para explicar acontecimentos, mas agora explicam por que ele não fez a lição, por que não chegou a tempo na aula de natação ou por que tomou uma bronca na escola. As crianças acham formas de se esquivar das broncas e do que elas sabem que fizeram errado. E daí entram os pais e as formas de saber lidar com esse recurso. É bom ressaltar que apontar o dedo e dizer que ela está mentindo não funciona. No fundo não sabemos muito lidar com a criança quando ela está fantasiando e quando ela está realmente mentindo. Precisamos aprender, tanto para conseguir dialogar com ela, como para orientá-la a não mentir e a lidar com os problemas e erros sem medo de enfrentá-los e assumi-los.
Mentir é de nossa espécie: a negação e o direito ao segredo são constitutivos na formação da subjetividade humana.
A mentira pode encobrir problemas graves, por isso os pais desejam “cortar o mal pela raiz”. Porém, é importante diferenciar mentira de fantasia, pois desrespeitar ou tirar a imaginação, na fase de desenvolvimento em que a criança precisa usar esse recurso, pode ter o efeito contrário. E, afinal, qual a diferença?
O que chamamos de fantasia é a transgressão da criança para um mundo paralelo – uma forma como ela enxerga a realidade. Assim, se vestindo de super-herói ou contando uma história do amigo imaginário, ela tem um recurso para lidar com o real. A fantasia dá instrumentos para a criança conseguir significar, dar sentido e sensações, desejos, anseios às situações. É a fantasia que constitui repertório do que e como a criança vê o mundo.
Já a mentira, no sentido de trapaça, disfarce, negação, é realizada por crianças um pouco maiores, a partir de 7 anos — quando interiorizam regras sociais, aprendem os binarismos (bom x ruim, justo x injusto) e têm mais acesso a recursos linguísticos e argumentação. Nessa idade, a criança poderá contar histórias para levar vantagem – ou seja, mentir. O mais interessante é pensar que a mentira é também a capacidade de a criança se diferenciar da mãe, do pai ou da avó. Ou seja, a história criada é uma possibilidade para ela de manter um mundo próprio, que ninguém vê (interno, criativo), diferente da vida real, dos fatos.
Saber agir ante a mentira infantil é fundamental. Quando a mentira acontece, os adultos devem saber olhar com paciência e conversar com a criança: primeiro, dizendo que ela não está falando a verdade e, segundo, dando recursos e tempo para que ela consiga refazer a situação – desta vez, falando a verdade. O acolhimento é importante, já que muitas vezes crianças mentem por medo. Então, não falando a verdade, buscam um recurso de defesa contra o receio de ser castigada, julgada ou perder o amor dos pais, professores ou cuidador. O pior que podemos fazer é agir de forma repressiva, gritando, batendo ou tachando a criança de mentiroso.
“Violências não curam mentiras, pelo contrário, aumentam o medo de ser descoberto, fazendo a criança mentir mais. Não importam quais justificativas uma criança use para não fazer a lição de casa, por exemplo. Em vez de ficarem bravos, os pais devem dizer que é importante que cumpra suas obrigações, dando-lhe o tempo necessário, não deixando que a criança comece outra atividade enquanto não tiver cumprido a obrigação”, explica o médico psiquiatra e escritor de livros sobre educação familiar Içami Tiba.
Ah! O mundo da fantasia… O extraordinário lugar onde tudo é possível, as situações têm solução e os personagens possuem personalidade bem delineada: o Lobo Mau é mau. O Príncipe é bom. O super-herói é forte. O lugar cheio de imaginação que é criado na cabeça da criança a partir dos 2 anos, em média, nada mais é que um mundo onde ela tem certo domínio dos seres que vivem ali. E a fantasia existe porque o mundo real, dos adultos, é muito complexo para a criança e difícil de ser assimilado e aceito. Assim, elas utilizam a fantasia para criar seu próprio universo, onde tudo é possível e as situações possuem solução, geralmente com um final feliz. É entre os 2 e 7 anos, principalmente, que a fase de desenvolvimento acontece através da imaginação.
Além disso, é a fantasia que primeiramente mostra o lado bom e o ruim dos fatos em nossas vidas: com os contos de fada, por exemplo, as crianças conseguem se projetar nos personagens e entender basicamente o que é o correto e o errado, o justo e o injusto e assim por diante.
É com a fantasia, também, que a criança expressa suas emoções e sentimentos (elas quase gritam isso aos pais, que muitas vezes não conseguem interpretá-las. Um ursinho que está com raiva da mãe porque ela brigou com ele. Exemplos fáceis de serem compreendidos e que têm mensagens bem subliminares. Portanto, se o seu filho está fantasiando, a única coisa a se fazer é entrar na brincadeira. Estabeleça um diálogo com os personagens. Quanto mais brincadeira e fantasia, melhor. Então, deixe seu filho fingir que é super-herói e ter amigos imaginários. Faz bem! Agora, a criança não pode se afastar de sua identidade o tempo todo. Isso significa que, em alguns momentos, é necessário que a criança viva a situação de forma completa, estando realmente presente.
À medida que a criança substitui a simbolização pela linguagem elaborada, saberá distinguir a fantasia da realidade e poderá utilizar a fantasia em forma de criatividade sem perder a noção do real. Naturalmente, ela usa menos a fantasia para se expressar, porque tem mais consciência sobre a realidade, noção de lógica, domínio de regras sociais etc. Por isso, os pais não precisam se preocupar em ser “politicamente corretos” em relação à fantasia da criança: ou seja, não é preciso – e nem bom! – que você desminta as crenças de seu filho ou negue a existência de alguns personagens como o Papai Noel ou a Princesa.
Confie, a criança vai assimilando a realidade gradualmente e sem traumas, ao contrário do que muitos temem.
1. Nunca chamar a criança de mentirosa, e sim escutá-la com atenção para ajudar-la
2. Explicar as consequências de uma mentira com exemplos práticos, sempre tentando manter um canal de comunicação aberto entre vocês
3. Não gritar e nem pressioná-la com interrogatórios. Ela se sentirá acuada e o medo poderá fazê-la mentir outra vez
4. Estimular a criança a sempre se colocar no lugar do outro
5. Tentar compreender o significado implícito na mentira
6. Na escola, os professores nunca devem expor crianças que mentem na frente dos colegas
Fonte: Pais & Filhos